Em seu novo livro, Bernardo Ricupero analisa as diferentes interpretações sobre o Brasil e sua relevância no contexto atual
Por Rodrigo Delfim – Alameda Editorial
“Uma introdução a essas variadas ‘interpretações do Brasil’, não tendo a ilusão de ser exaustivo sobre cada uma delas”. Esse é o objetivo do cientista político Bernardo Ricupero ao escrever seu mais recente livro, Sete lições sobre as interpretações do Brasil. Além de comparar e contextualizar essas diferentes visões, Ricupero demonstra o quanto ainda elas são relevantes para o estudo e compreensão da realidade brasileira.
Bernardo Ricupero falou à Alameda Editorial sobre os motivos que o levaram a escrever Sete lições sobre as interpretações do Brasil, que também é autor dos livros Caio Prado Jr. e a nacionalização do marxismo no Brasil (Editora 34, 2000) e O romantismo e a idéia de nação no Brasil (1830 - 1870) (Martins Fontes, 2004).
Alameda Editorial - De onde surgiu a idéia de escrever Sete lições sobre as interpretações do Brasil ?
Bernardo Ricupero – Venho, há algum tempo, estudando o pensamento político e social brasileiro e, mais recentemente, tenho dado cursos sobre tal área de estudos. Ao longo das aulas me dei conta da falta de trabalhos que analisassem em conjunto as "interpretações do Brasil"’, ou seja, os ensaios que, principalmente a partir da proclamação da República e até a consolidação da vida universitária, procuraram fornecer uma visão mais globalizante sobre o país. Muitos dos trabalhos disponíveis são compilações, escritas por diferentes autores, o que naturalmente dificulta que se perceba o diálogo, muitas vezes implícito, que existe entre esses "intérpretes do Brasil". Achei, assim, que valia a pena ajudar a preencher a lacuna.
AE - Como você fez para compactar, em um só livro, interpretações tão distintas umas das outras? Não existe o risco de superficializar a análise?
BR – A organização dos capítulos seguiu um mesmo padrão básico: procurei, de início, situar os autores no seu contexto intelectual e político; analisar, depois, um de seus livros mais importantes; apontar, a seguir, para variadas visões a respeito deles; e, finalmente, sugerir uma comparação entre os escritores. O livro pretende ser, antes de mais nada, uma introdução a essas variadas "interpretações do Brasil", não tendo a ilusão de ser exaustivo sobre cada uma delas. Por outro lado, ao tratar de diferentes autores, chamando a atenção para pontos convergentes e divergentes entre eles, pode indicar, de maneira mais clara, como ao se pensar o Brasil, certas questões têm sido apresentadas, modificadas e descartadas.
AE - Além da busca em entender o que é o Brasil, o que os pensadores analisados possuem em comum uns com os outros?
BR – Retomando um ponto já sugerido, o que achei mais interessante ao ministrar cursos sobre o pensamento político brasileiro e preparar o livro foi perceber como os autores com os quais lidei manejam com certos temas e progressivamente vão modificando-os. Destacaria como Oliveira Vianna, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda ressaltam na história brasileira o peso do latifúndio pretensamente auto-suficiente e suas conseqüências, como o patriarcalismo. É interessante, porém, notar como as avaliações desses autores variam. Oliveira Vianna considera o latifúndio tanto como o principal instrumento, durante a colônia, de adaptação do colono português ao ambiente americano, como o vê, desde a independência, como o principal empecilho, devido à sua auto-suficiência, à obra de unificação nacional, que então se imporia. Já Gilberto Freire, acredita que o patriarcalismo, produto do latifúndio, favoreceria relações sociais marcadas pela proximidade, criando uma verdadeira civilização brasileira. Por sua vez, Sérgio Buarque de Holanda entende essas mesmas relações sociais, marcadas pela proximidade, como obstáculo para se estabelecer democracia, Estado e qualquer ordem impessoal no Brasil. No entanto, com Caio Prado Jr. e sua ênfase no "sentido da colonização", a perspectiva de análise do país muda. Ao invés de ver o que chama de grande exploração agrária como auto-suficiente, destaca como ela existe para produzir, via trabalho escravo, bens demandados pelo mercado externo. Raymundo Faoro também entende o Brasil a partir de sua relação com o resto do mundo. Contudo, ressalta que do oceano viria o Estado patrimonialista que continuaria a oprimir, ao longo da historia brasileira, a sociedade. Finalmente, Florestan Fernandes, ao chamar a atenção para o que chama de "dupla articulação", procura indicar como determinações vindas de fora são internalizadas no país.
AE - Como você vê hoje o pensamento sociológico brasileiro? Há algum nome de destaque?
BR – O padrão de trabalho intelectual se modificou desde a consolidação da universidade. Hoje não mais se procura realizar grandes explicações do país em ensaios como as "interpretações do Brasil", mas se busca, em monografias, realizar análises pormenorizadas sobre certos objetos. É evidente que o processo trouxe tanto ganhos como perdas. Sumariamente, por um lado, se ganhou em rigor, por outro, se perdeu em abrangência. Ironicamente, a especialização excessiva traz o perigo de obscurecer a compreensão do próprio fenômeno que se procura analisar, já que, muitas vezes, não se consegue perceber sua relação com o ambiente no qual está inserido. Não por acaso, hoje temos principalmente especialistas, alguns melhores, outros piores.
AE - Você acha que o legado desses pensadores vem sendo utilizado corretamente, seja no meio acadêmico ou fora dele?
BR- Parece-me mais importante do que saber se as "interpretações do Brasil" estão sendo utilizadas corretamente, perceber que, consciente ou inconscientemente, elas continuam a ter impacto na vida brasileira, fornecendo boa parte das referências com as quais nós pensamos. Por exemplo, muitos que defendem a Reforma Política seguem o diagnóstico de Raymundo Faoro de que o grande problema do Brasil é o peso do Estado patrimonialista (o que não implica que o jurista gaúcho defendesse esse programa). Por outro lado, o argumento do artificialismo dessas medidas está muito próximo da avaliação de Oliveira Vianna de que as elites políticas brasileiras, fascinadas por fórmulas estrangeiras, desconheceriam seu país.
Rodrigo Delfim
Rodrigo Delfim
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