quinta-feira, 6 de março de 2008

Plasmodium na placenta

Pesquisadores brasileiros e portugueses desenvolvem primeiro modelo animal para estudar a malária associada à gravidez, que representa elevado risco de vida para a mãe e para o feto. Estudo foi publicado na Plos One

06/03/2008
Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Pesquisadores brasileiros e portugueses desenvolveram um novo modelo animal para o estudo dos efeitos da malária durante a gravidez, que causa anemia materna, diminuição da viabilidade do feto e crescimento intra-uterino retardado. O trabalho foi publicado na revista de acesso aberto Plos One.


Todos os anos pelo menos 50 milhões de mulheres grávidas são expostas à malária. Estima-se que no continente africano, anualmente, 10 mil gestantes e 200 mil crianças morram em decorrência da malária associada à gravidez.


De acordo com o autor brasileiro da pesquisa, Cláudio Marinho, pós-doutorando no Instituto Gulbenkian de Ciência, em Portugal, o modelo em camundongos, que reproduz as características patológicas observadas em casos humanos, trará uma importante contribuição para a compreensão de diversos aspectos da malária gestacional, além de ser uma importante ferramenta para o teste de novas drogas e vacinas.


“É um problema humano de dimensões dramáticas, principalmente no continente africano, que é o foco dos estudos do instituto. Lá a doença é causada principalmente pelo Plasmodium falciparum, que é mais agressivo do que o parasita predominante na Amazônia, o Plasmodium vivax”, disse Marinho à Agência FAPESP.


Segundo o cientista, o grupo utilizou uma linhagem de camundongos que foi infectada com um parasita transgênico. “O gene inserido, quando transcrito, gera uma proteína, chamada de GFP, que emite luz verde ao ser estimulada com determinado comprimento de onda. Isso possibilita a visualização do parasita, que pode ser facilmente localizado em qualquer tecido do animal”, disse.


De acordo com o cientista, um dos maiores problemas para se estudar a malária na gravidez é que os pesquisadores praticamente só têm acesso à placenta humana após o fim da gravidez e até hoje não existia um modelo animal apropriado. Segundo ele, o parasita causa uma inflamação na placenta que compromete a troca de gases respiratórios e de nutrientes com o feto.


“Para escapar da ação do sistema imune, o parasita se aloja em determinadas regiões do corpo, como as paredes dos vasos sangüíneos. No caso da mulher grávida, ele acaba sendo seqüestrado na placenta. Quando ele se aloja ali, o corpo reage com um processo inflamatório”, disse o pesquisador.


Para criar o modelo, os cientistas acompanharam desde o início a gestação de camundongos. “As fêmeas ficavam com os machos por apenas dois dias, para sabermos com certa precisão quando teve início a gravidez. Uma secreção na vagina indica que houve cópula. Quando ela aparecia, começávamos a monitorar a curva de peso da fêmea, para confirmar a gravidez”, explicou.


O período de gestação do camundongo é de 21 dias, segundo Marinho. “No 13º dia – o que equivale aproximadamente ao fim do segundo trimestre da gravidez humana – nós infectamos os camundongos com uma injeção de um milhão de parasitas”, disse.


A partir daí, os cientistas continuaram acompanhado a curva de aquisição de peso e passaram a monitorar a quantidade de parasitas no sangue do animal. No 18º dia de gravidez, os animais foram separados em dois grupos.


“Num deles, deixamos os filhotes nascerem, para acompanharmos os problemas de desenvolvimento. No outro grupo, sacrificamos os animais e retiramos as placentas para estudar a patologia e quantificar a expressão de genes inflamatórios”, explicou.


Inicialmente, disse Marinho, o estudo visava a desenvolver um modelo para estudar a doença placentária e compreender os mecanismos imunopatológicos reponsáveis pelo baixo peso ao nascimento, identificado em 15% das crianças que nascem de mães com malária durante a gravidez. O modelo, no entanto, poderá ser usado para testes de novas drogas e protocolos de imunização.


“Existe um vácuo no conhecimento desses processos, principalmente nos primeiros meses de gravidez. Suspeitamos que o processo inflamatório na placenta dificulte também a passagem de anticorpos maternos que normalmente protegem a criança. Mas ainda não conhecemos exatamente os mecanismos responsáveis pelo baixo peso ao nascimento. Esse é o nosso foco de investigação agora”, disse.


O modelo, no futuro, poderá servir, segundo o cientista, para estudar a fisiopatologia desses problemas, os mecanismos moleculares e os mediadores inflamatórios que atuam no processo. O estudo foi financiado pela Fundação para Ciência e Tecnologia da União Européia e pelo Instituto Gulbenkian de Ciência em Portugal.


“Outro foco de interesse é que pouco sabemos sobre o Plasmodium vivax. Sabe-se que ele pode causar problemas durante a gravidez, mas os estudos são incipientes. Voltando ao Brasil vou procurar também estudar os efeitos da infecção por este parasita durante a gestação”, disse o cientista, que passou três anos em Portugal e, dentro de três meses, passará a trabalhar no departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).


O artigo Pregnancy Outcome and Placenta Pathology in Plasmodium berghei ANKA Infected Mice Reproduce the Pathogenesis of Severe Malaria in Pregnant Women, de Claudio Marinho e outros, pode ser lido em http://www.plosone.org/.




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