segunda-feira, 7 de abril de 2008

Vitor Ramil e Marcos Suzano em São Paulo e Belo Horizonte


Novo trabalho de Vitor Ramil e Marcos Suzano expande as fronteiras da música brasileira

Satolep e Sambatown são mais do que duas cidades imaginárias. São cidades abstratas, porque em forma de música. Ou melhor, são cidades transfiguradas pela música de seus criadores, o compositor gaúcho Vitor Ramil e o percussionista carioca Marcos Suzano, respectivamente.

Satolep, mais do que Pelotas (e o Rio Grande, e o Brasil...) ao avesso, é a cidade imaginária onde Ramil forjou sua “estética do frio”. Ou seja, o lugar em que uma milonga de poucos e complexos acordes levados no violão de cordas de aço (como que refletindo o frio cortante lá de fora) é tão brasileira quanto um samba dolente levado no violão de nylon numa rua do Rio. Satolep é a capital imaginária dessa, como define Vitor, “região de clima temperado desse imenso país mundialmente conhecido como tropical”. Um lugar torto, pois, que ganha forma e sentido nas canções de Vitor Ramil.

Sambatown, mais do que um Rio transfigurado pela provocação de ter seu ritmo mas característico (ou “autêntico”, como se diz) associado à palavra inglesa que significa “cidade”, é o lugar que Suzano inventou para abrigar sua percussão que parte do samba, do choro mas que não se contenta com os limites estéticos das duas matrizes rítmicas da música carioca; sua estética que parte da percussão tradicional, acústica, da mão no pandeiro, mas que incorpora também, e muito, a linguagem e os recursos eletrônicos; sua linguagem brasileira pela origem, pela diversidade rítmica, pelo sotaque, mas com um jeitão totalmente contemporâneo.

Satolep se quer brasileira quando o senso comum pode a ver como estrangeira (“européia”, como o clima; “argentina” ou “uruguaia”, pela proximidade geográfica e estética); Sambatown se quer do mundo, quando é vista como brasileiríssima pelo ritmo quente...

O CD “Satolep Sambatown”, lançamento da MP,B, é o encontro desses dois universos paradoxais, dessas duas estéticas fortes, desses dois pensamentos musicais originais, desses dois artistas que não se deixam amarrar às aparências e ao convencional. Todas as 11 canções são compostas por Ramil, sendo que a milonga “12 segundos de oscuridad” tem letra em espanhol do uruguaio Jorge Drexler (que, aliás, canta pela primeira vez em ótimo português aqui neste disco, na “milonga bossa nova” “A zero por hora”). “A word is dead” foi composta sobre poema da americana Emily Dickinson. Ramil canta e toca os violões de nylon mas principalmente de aço em todas as faixas, Suzano é o responsável por todas as percussões, e inclusive pela gravação delas, feita em seu próprio estúdio no Rio de Janeiro. Além de Drexler, há somente uma outra participação vocal, a da cantora carioca Kátia B, que sempre grava canções de Vitor em seus trabalhos, em “Que horas não são?”, uma milonga de construção harmônica rara e clima oriental (reforçado pela voz de Kátia).

Reparem como qualquer uma das 11 canções encerra o espírito do disco, que é o do encontro de dois artistas que investem na reversão de expectativas e no combate ao lugar-comum. Pegue, assim por acaso, a primeira faixa, “Livro aberto”. Trata-se de um samba. Sim, um samba de Vitor Ramil, um samba impregnado pela estética do frio: o violão de aço bem linear (sem o “balanço” característico do samba normal) delineando bem a harmonia mas praticamente sem variações rítmicas, todas calcadas na percussão tradicional filtrada por efeitos eletrônicos (com direito até a uma cuíca soluçante); uma letra entre a melancolia e a explosão, cheia de imagens literárias. “Livro aberto” mostra bem ao que veio “Satolep Sambatown”: a estética do frio vai buscar um gênero brasileiro que, ao invés de ser reforçado como samba pela percussão, ganha mais nuances, mais aspectos inusitados.

O trabalho pregresso de Vitor, já registrado em sete discos, sempre se pautou pela busca de caminhos novos caminhos harmônicos, melódicos e temáticos dentro da música brasileira. O mais recente disco, “Longes”, de 2004, chegou a ser gravado em Buenos Aires e produzido pelo músico argentino Pedro Aznar.

“Era um tempo em que se falava muito no fim da canção e toda a música brasileira estava mergulhada numa estética cheia de ritmo, do groove. Queria algo totalmente diferente disso, por isso fiz um disco quase sem ritmo, cheio de harmonia, com o violão de aço muito presente, e até fora do Brasil”, diz Vitor. “Mas gosto de fugir dos estereótipos. Por isso me dei esse desafio de buscar o ritmo numa música originalmente pouco percussiva. E para isso, ninguém melhor do que o Suzano. Não conheço ninguém mais carioca”.

Mas “Satolep Sambatown” não nasceu apenas dos desejos de reviravolta estética tão constantes na carreira de Vitor. Nasceu um pouco também das circunstâncias, uma data vaga de shows no Centro Cultural Carioca, no Rio, e de uma idéia de Vitor de convidar Suzano para um show em dupla. Essa intuição rendeu uma temporada de shows no Rio, em março de 2006, e o início da gravação do disco, oito meses depois.

“Para mim, a música de Vitor une alta qualidade poética com sofisticação harmônica. Nos shows eu senti que podia colaborar com um lado rítmico ainda pouco explorado por ele. E sem dúvida foi muito inspirador pensar em ritmos que não fossem um lugar-comum para a estética gaúcha da milongas e das canções”, diz Suzano. “No trabalho, fomos inspirados pela possibilidade de ir fundo na pesquisa de timbres, que considero fundamental no meu trabalho, bem mais do que tocar estilos ou gêneros, que são tão variados na nossa música mas que, paradoxalmente, acabam causando certa acomodação entre os ritmistas brasileiros. Daí os elementos do samba, por exemplo, estarem presentes sem ser escancaradamente apresentados”.

Elementos de samba mais (como em “Livro aberto”) ou menos (como em “A zero por hora”) dissimulados perpassam todo o disco. “A zero por hora”, aliás, é um típico paradoxo gerado pelo encontro de Satolep com Sambatown: trata-se de uma canção amilongada de Vitor que terminou virando um samba, composto quase como uma paródia do roquinho Jovem Guarda “Rua Augusta”, cantado em parceria com um cantor uruguaio e com a percussão de Suzano buscando nuances diferentes de samba.

Suzano chegou para trabalhar com Vitor logo após seu antológico disco-show com Gilberto Gil, “Eletracustico”, no qual o percussionista conseguiu testar todas as possibilidades da convivência enriquecedora do acústico e do eletrônico. “A combinação da percussão acústica com a tratada eletronicamente acabou apresentando uma sofisticação que as letras e o toque de alto nível do violão e das melodias do Vitor pareciam pedir”, diz Suzano.

Um bom exemplo disso está em “Invento”, canção delicada e misteriosa, tão representativa da temática de Vitor (“Vento/Que vem das esquinas/E ruas vazias/De um céu interior/Alma/De flores quebradas/Cortinas rasgadas, papéis sem valor”...) quanto de sua estética musical de melodias lindamente hipnóticas e de suas harmonias simples e inusitadas. A esta delicadeza criativa, Suzano utilizou quase que tão somente um cajón acústico mesmo, só que deformado eletronicamente por filtros moduladores. Ouçam o resultado e vejam como a percussão pode contribuir para, mais do que o ritmo, o sentido da música.

“Satolep Sambatown” vai assim entre o samba e a milonga. “São sambas e milongas sem serem sambas e milongas”, brinca Vitor. Às vezes, acrescento, samba e milonga ao mesmo tempo. Como “Viajei”, ritmicamente um samba (mais especificamente uma bossa nova) mas com uma estrutura harmônica simples, calcada em três acordes, mais próxima do universo da milonga.

O mergulho do “harmonista” Vitor Ramil no mundo rítmico de Suzano foi tão profundo que há até uma faixa totalmente ser harmonia, toda calcada e composta sobre o pandeiro, “O copo e a tempestade”. Em compensação, uma milonga como “Astronauta lírico” devolve a condução da música ao violão de aço de Vitor, num jogo constante de mistura dos dois universos musicais que o título do disco sugere.

Alguns tradicionalistas gaúchos desconfiam da música e das idéias de Vitor Ramil. Alguns tradicionalistas do samba e do choro têm relação parecida com a percussão de Marcos Suzano. Com sua originalidade, sua estética inovadora e sobretudo com a inusitada mistura de universos estéticos e musicais, “Satolep Sambatown” dá razão a eles. Trata-se de um disco que expande, até literalmente, as fronteiras da música brasileira. Por HUGO SUKMAN




Show em São Paulo e BH

VITOR RAMIL + MARCOS SUZANO
Show de lançamento do CD SATOLEP SAMBATOWN
PARTICIPAÇÃO ESPECIAL KATIA B

Local:
Teatro do SESC POMPÉIA - São Paulo
Dia: 12 (sáb - 21h) e 13 (dom - 18h) - abril

Local : Teatro Alterosa - Belo Horizonte
Dia: 16 (qua - 20h) abril - única apresentação



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