* Arthur Guerra de Andrade
A relação entre os feriados como o Carnaval e as movimentações nas estradas brasileiras foram marcadas por inúmeros acidentes de automóveis e, consequentemente, de mortes. Os números trouxeram à tona a discussão e a apresentação de propostas de ações para a situação do trânsito no País.
Em períodos críticos como este, campanhas isoladas são veiculadas, com o objetivo de diminuir as estatísticas estarrecedoras dos acidentes. No último ano, o abuso no consumo de bebidas alcoólicas contou também com a ajuda da imprudência dos motoristas e aumento do número de carros nas estradas, motivado em grande parte pela crise aérea.
Fontes oficiais e estudos pontuais indicam a necessidade de ênfase maior nos programas de prevenção e na fiscalização a fim de evitar o caos, tanto em relação aos custos sociais, quanto à triste realidade dos personagens que engrossam as estatísticas. Providências devem ser tomadas para que se modifique este cenário, especialmente entre os jovens, vítimas do descaso, da imprudência, da impunidade e da falta de percepção dos riscos.
Instituições como o Denatran e o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelam números espantosos sobre as vítimas fatais e os custos sociais e econômicos dos acidentes de trânsito. E o que tem a ver o álcool com essas estatísticas? O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas – Cebrid - fez um levantamento nacional envolvendo as 108 maiores cidades do País. O estudo revelou que 2% da população brasileira (mais de um milhão de pessoas) já teve complicações no trânsito em função do uso de álcool e outras drogas. Os homens são maioria, independente da faixa etária.
Pesquisa recente da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), revela que 43% dos indivíduos entrevistados que beberam, consumiram pelo menos três doses em festas antes de dirigir. Entre a população adulta entrevistada, cerca de 34% pegaram carona com o motorista que havia bebido além da conta. Dados parciais ainda não publicados referentes a acidentes de trânsito, como os do pesquisador Júlio Ponce da Faculdade de Medicina da USP, feito a partir de 908 laudos do Instituto Médico-Legal e de dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), mostram que cerca de 48% dos motoristas e motociclistas que morreram em acidentes de trânsito na capital paulista no ano de 2005 haviam consumido álcool antes de dirigir. Entre os condutores de carro, o índice de alcoolizados chega a alarmantes 56,6%. A pesquisa revela que entre os motoristas de automóveis que tinham consumido bebida, 100% ingeriram quantidade acima do que prevê a legislação (0,6g/l). Os condutores apresentaram, em média, concentração alcoólica de 1,7g/l - quase duas vezes maior do que o permitido pela lei.
Pesquisa sobre comportamento no trânsito da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, traz dados preocupantes: 80% dos 1.034 universitários entrevistados nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro não dirigem após beber, mas retornam no carro de amigos que ingeriram bebidas alcoólicas. Já 36% destes estudantes disseram ir e voltar de festas sem beber, enquanto 31% dirigem mesmo após ter bebido pouco. Desta forma, o resultado mostra que mesmo os jovens que não bebem estão sob considerável risco de morte.
Um outro estudo, realizado por Antonio Nery Filho, com dados sobre o impacto do uso de álcool e outras drogas em vítimas de acidentes de trânsito, traz dados semelhantes aos já citados. A pesquisa, feita dentro dos serviços de emergência e IMLs de Brasília, Curitiba, Recife e Salvador, constatou que, do total de 831 vítimas não fatais investigadas, havia a presença de algum nível de álcool no sangue em 61,4% dos casos. Em quase um terço da amostra, 27,2%, a quantidade excedia o valor de 0,6 g/l. Dentre as 34 vítimas fatais incluídas, houve positividade em 52,9% dos casos.
Estudos internacionais também demonstram que o risco de acidente automobilístico decorrente do uso de álcool aumenta significativamente nos motoristas com menos de 21 anos de idade. Nos Estados Unidos, por exemplo, a relação entre os acidentes de trânsito e o consumo de bebidas vitimou, em 2006, quase 18 mil pessoas. A maioria deles, jovens de 21 a 34 anos. Em 81% dos casos de acidentes fatais, foram constatadas pessoas com dosagens de álcool superior ao permitido.
O esforço de conscientização e a elaboração de políticas abrangentes e contínuas, como a medida provisória assinada recentemente pelo presidente Lula que proíbe a venda de bebidas alcoólicas nas estradas federais, não devem estar limitados a períodos críticos como este. O trabalho deve ser alimentado dia-a-dia, assim, a realidade que se apresenta não será afetada em função apenas de períodos críticos como Carnaval e outros feriados. A mudança dessa triste realidade só poderá acontecer a partir do intenso e permanente trabalho de informação, educação e principalmente fiscalização com a participação dos diversos segmentos da sociedade. A partir daí, os mandamentos de não dirigir quando beber e de não beber quando for dirigir serão incorporados pelos motoristas, assim como aconteceu com a conscientização da população para o uso do cinto de segurança.
* Prof. Dr. Arthur Guerra de Andrade é psiquiatra, presidente-executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool – CISA, coordenador do curso de Medicina da Faculdade de Medicina do ABC e supervisor do Grupo de Estudos de Álcool e Drogas da Universidade de São Paulo – GREA.
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