segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Zumbido fantasma


Estudo realizado na USP mostra que, em ambiente silencioso, atenção aos estímulos auditivos leva pessoas saudáveis a ouvir ruídos-fantasma que podem ser confundidos com o zumbido no ouvido – um problema que afeta 17% da população

14/01/2008

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Uma pesquisa realizada na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) indica que, dependendo do nível de silêncio e do grau de atenção, pessoas com audição normal podem ouvir ruídos fantasma passíveis de ser confundidos com o zumbido, um problema que afeta cerca de 17% da população mundial.

O estudo, resultado da tese de doutorado da fonoaudióloga Keila Knobel e orientada por Tanit Sanchez, teve parte de seus resultados publicados na revista Otolaryngology – Head and Neck Surgery, editada pela Academia Norte-Americana de Otorrinolaringologia.

De acordo com Keila, o estudo avaliou 66 pessoas com audição normal, que não sofrem com nenhum tipo de zumbido. Os participantes foram isolados numa câmara silenciosa onde nenhum ruído foi emitido.

Recebendo orientação de focar a atenção nos estímulos auditivos, 68% deles ouviram zumbidos e outros ruídos, mesmo com a cabine em completo silêncio. Quando a atenção era orientada para estímulos visuais, 45,5% ouviram os ruídos. Quando os participantes se dedicaram a uma tarefa, apenas 19,7% ouviram ruídos.

“Foi muito visível o efeito da atenção sobre a percepção do zumbido no silêncio. Hoje, a principal orientação dada aos pacientes que sofrem com o problema é que evitem o ambiente silencioso. Mas agora vemos que pode ser importante também mudar o foco da atenção. Essa constatação pode levar a uma aplicação clínica”, disse Keila à Agência FAPESP.

Segundo a pesquisadora, um conhecido estudo realizado em 1953 constatou que 94% das pessoas colocadas numa câmara silenciosa relataram algum tipo de ruído. Desde então, acredita-se que quase todo mundo tem algum tipo de zumbido, mas que a maioria não percebe graças ao som ambiental que encobre os ruídos.

“Foi um estudo marcante, mas tinha falhas metodológicas, pois eles não chegaram a avaliar previamente a audição dos participantes. Nosso estudo mostra que o zumbido ocorre em pessoas totalmente saudáveis, mas em proporção bem menor do que se acreditava. Por outro lado, constatamos que a atenção da pessoa influencia decisivamente”, afirmou a cientista.

O teste foi dividido em três etapas. Na primeira, antes de os participantes entrarem na cabine acústica, os pesquisadores avisaram que poderiam ouvir um ruído ou não. A grande maioria (68%) ouviu algum tipo de zumbido ou outros ruídos.

Na segunda etapa, os participantes foram informados de que poderiam perceber alguma alteração na iluminação da cabine. “Com a atenção na via visual, 45% das pessoas disseram que não viram mudança na luz, mas que ouviram ruídos, que na verdade eram percepções auditivas fantasma, já que não correspondiam a sons no ambiente”, disse.

Na última etapa, os voluntários foram orientados a montar um quebra-cabeça conhecido como Torre de Hanói, que consiste em organizar discos de madeira de diferentes tamanhos em três pinos, freqüentemente usado como procedimento para avaliação da capacidade de memória de trabalho.

“A pessoa sempre era induzida a pensar que estava fazendo um experimento de atenção. Com a concentração na tarefa, o número de participantes que relatou ter ouvido o ruído fantasma diminuiu para 19,7%”, declarou Keila.

Alucinações auditivas

Um fator que chamou a atenção dos pesquisadores foi a qualidade dos sons relatados pelos participantes. A maior parte deles (58%) ouviu sons que não são característicos de quem sofre de zumbido no ouvido e sim de típicas alucinações auditivas.

“Geralmente, quem tem zumbido no ouvido em ambiente silencioso descreve o ruído como um apito, uma cachoeira, uma cigarra, um grilo e outros sons contínuos. Nesses casos, as pessoas ouviram vozes de pessoas, bebês chorando e latidos de cachorros.”

Apenas 20% dos que relataram zumbidos disseram acreditar que o som era proveniente de seus próprios ouvidos. “Os outros acharam que ouviam realmente um som no ambiente. Algumas pessoas relataram, por exemplo, que me ouviram andar de salto alto fora da cabine. Mas eu permaneci sentada todo o tempo.”

De acordo com Keila, os relatos indicam que, assim como o zumbido pode estar presente em pessoas saudáveis, o modo de funcionamento normal do cérebro parece fornecer em si mesmo um substrato para as alucinações auditivas.

“É possível que o cérebro normal tenha mecanismos de geração de alucinações auditivas quando se encontra em presença de silêncio e com a atenção voltada para a audição. Provavelmente a atenção ativa o córtex auditivo mesmo no ambiente silencioso”, explicou.

A pesquisadora destaca que o zumbido no ouvido não é uma doença. Apenas 25% das pessoas que ouvem o zumbido o vêem como um problema e procuram ajuda médica. Um zumbido da mesma intensidade pode gerar diferentes reações.

“Uma pessoa pode ignorá-lo e conviver com ele sem dificuldade, enquanto outra pode sofrer profundamente. O efeito vai depender das associações que se vá fazer com o ruído."

O artigo Influence of silence and attention on tinnitus perception, de Keila Knobel e Tanit Sanchez, pode ser lido por assinantes do Otolaryngology – Head and Neck Surgery em www.otojournal.org.

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