quinta-feira, 13 de março de 2008

Transferência de renda pode deter inflação

Além de elevar rendimento dos beneficiados, programa no Paraguai semelhante ao Bolsa Família freou preço dos alimentos, diz pesquisa - Foto: IPC / Fabio Veras Soares

Brasília, 11/03/2008
OSMAR SOARES DE CAMPOS
da PrimaPagina


Uma experiência no Paraguai indica que programas de transferência de renda podem, além de elevar o rendimento dos domicílios atendidos, ter um efeito positivo tanto no controle da inflação quanto no aumento da taxa de poupança das famílias — beneficiárias ou não. Em cinco distritos paraguaios da zona rural onde um projeto piloto desse tipo foi aplicado, os preços dos alimentos eram mais baixos que em outros locais, mostra um estudo a ser apresentado pelo Centro Internacional de Pobreza, uma instituição de pesquisa do PNUD, resultado de uma parceria com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Chamado Tekoporã e desde o final do ano passado em processo de expansão para 35 distritos do país, o programa paraguaio é voltado a famílias extremamente pobres das áreas rurais. Ele conseguiu deter os preços em razão de incentivos ao cultivo de hortaliças e a orientações sobre consumo e produção de alimentos. Essa mudança deve-se em boa parte à atuação de assistentes sociais (os guias familiares), que ajudam as famílias a rever seus hábitos de alimentação e suas práticas agrícolas.

Essas são algumas das conclusões que serão apresentadas pelo economista Rafael Ribas em um seminário em Brasília na próxima quinta-feira (13/03), intitulado “O Impacto dos Programas de Transferência de Renda sobre Consumo e Preços: A Experiência do Paraguai”.

O estudo baseou-se numa pesquisa encomenda pela agência alemã GTZ. Após um ano e meio de programa, ao longo de 2007 foram ouvidas 1.100 famílias em cinco distritos atendidos pelo Tekoporã: Abai e Buena Vista, do Departamento (Estado) de Caazapá, e Lima, Santa Rosa e Unión, do Departamento de San Pedro. Além disso, também foram feitas entrevistas em dois distritos a que o programa ainda não chegou: Tucuati (em San Pedro) e Moises Bertoni (em Caazapá). Ribas comparou famílias de perfil socioeconômico semelhante e detectou que as que moravam nos cinco distritos beneficiados gastavam menos com cesta básica dos que as dos dois outros distritos.

O preço mais barato da cesta básica, apesar da injeção de dinheiro do programa de renda, surpreendeu Ribas, técnico do Centro Internacional de Pobreza e um dos responsáveis pela pesquisa. Ele avalia que essa diferença é resultado da mudança de comportamento das famílias beneficiadas, que passaram a cultivar o próprio alimento. "A explicação para não ter havido aumento nos preços é que o programa teve um impacto positivo na produção agrícola e no nível de autoconsumo", afirma o pesquisador. "A produção do próprio alimento por essas famílias resultou em um aumento na oferta de alimento nos distritos."

Nos distritos atendidos pelo programa, a cesta básica era, em média, 5% mais barata que nos outros dois. "Essa diferença acaba não sendo estatisticamente significativa, mas todas análises que fiz apontam na direção de menor preço dos alimentos", diz o pesquisador.

Esses efeitos ocorrem no Paraguai, diz Ribas, em razão da maneira como o programa de transferência de renda foi aplicado. "Ele é muito parecido com o Bolsa Família. A grande diferença, mais parecida com a linha do programa chileno, é que há um papel muito ativo de um guia familiar, que costuma visitar as famílias uma vez por mês para fazer o acompanhamento desses domicílios", afirma. "A participação desses guias familiares é essencial na mudança de comportamento das famílias. A mera transferência de renda, por si só, não teria esse efeito [de barateamento dos alimentos]."

O Tekoporã também mudou o planejamento do orçamento familiar. "Antes dele, as famílias gastavam mais do que recebiam. Com a chegada do programa, elas começaram a reduzir suas dívidas e passaram a poupar", conta Ribas, acrescentando que o comportamento, de forma surpreendente, se repetiu em famílias não atendidas pelo Tekoporã. "O vizinho acaba repetindo isso, por um fenômeno que nós chamamos de efeito demonstração."

Houve, ainda, mudanças na cesta de alimentos das famílias, que passaram a adquirir mais doces e biscoitos para os filhos. "Isso mostra como o programa está garantindo uma barganha maior para a criança dentro da divisão da renda familiar", diz o economista. "Por outro lado, também houve um aumento significativo na aquisição de roupas para elas, muito ligado ao impacto na freqüência das crianças na escola", acrescenta Ribas, para quem "um dos fatores limitantes para freqüência escolar era a falta de tênis e de sapatos".



O programa
O Tekoporã foi lançado em agosto de 2005 de maneira piloto, para testar o que seria a implementação do programa em nível nacional. Ele atendeu 4.500 famílias abaixo da linha da pobreza e, desde o final de 2007, está sendo expandido, sempre com foco nos distritos mais pobres do Paraguai.São cadastradas no programa famílias com mulheres grávidas ou crianças de até 14 anos. O valor transferido, entre US$ 18 e US$ 36, varia de acordo com o número de crianças no domicílio (até quatro beneficiários). As crianças de 0 a 5 devem freqüentar o posto de saúde regularmente e ter o carnê de vacinação atualizado; aquelas entre 6 e 14 anos também têm de freqüentar a escola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pela visita. Todo comentário é moderado.
Palavrões,ofensas e assemelhados não são aceitos, assim como textos fora do contexto do post e/ou com link para outro site.